A (Re)Volta da Destruição

Rising Fog

Como devem ter reparado, tenho escrito muito pouco nos últimos meses. Não por falta do que escrever: Tapuio não tem se tornado um paraíso para bichos de repente. Muito pelo contrário, a destruição têm aumentado, o incessante ataque humano contra tudo que resiste ao “domínio divino” do homem.

Parei de escrever por um sentimento de derrota. Desanimei. A cada volta a essa terra para mim sagrada, vejo mais destruição, menos natureza. Falo com IDAF e IBAMA e só me dão desculpas: Não tem como subir lá, pois as estradas não são transitáveis, não temos recursos, não temos pessoal, não temos… blah blah blah (não tem interesse).

Amigos me pintam abertamente de radical, ranzinza, ogro, efetivamente desvalorizando meus argumentos e apelos por ação. Sou apenas um ogrinho ranzinza, tipo Grendel, um reclamão, vegetariano radical ateu comunista que sente o mais puro ódio por humanidade — quem vai prestar atenção a um tipo assim? Só no deboche mesmo, né?

(Eu diria aos meus amigos, com todo respeito, que não são vocês que acordam às 3 da madrugada ao som de tiros. Não são vocês que cada vez que chegam em casa precisa-se consertar cano de água onde alguém o cortou para “se vingar” de mim. Não são vocês que encontram as suas paredes esfregadas de fezes, recados de ameaças deixados na casa, portas e janelas arrombadas, ratos mortos jogados na sala. E por favor, não me falem em fazer boletim com a polícia. Já tenho tantos que nem os posso contar. A reação da polícia? Ah, o americano ranzinza tá aqui de novo. O que foi esta vez? Vamos fazer BO? KKKKKKKK)

Pois é. Essa atrição solitária me tem desanimado.

Parei de convidar amigos e outros. Aparentemente é mais fácil subir o pico da bandeira do que subir até minha humilde casa. Pior, como lá não tem nem carne nem cerveja (nem música alta), pois não tem por quê. Poucas pessoas gostam de sair da zona de conforto para ouvir arengas de um ogro radical.

Confesso, estou tão desanimado que já comecei a pensar em ir embora. Cansei dessa luta constante com trilheiros egoístas, caçadores, saqueadores da natureza, ladrões, proprietários que acham que cada árvore representa menos um real na conta. Cansei do desinteresse profundo de quase todo mundo. Cansei do interesse repentino de políticos ou indivíduos que proclamam “Vamos fazer algo lá!” (tradução: deixa eu ver se tem como tirar proveito). (Uns são sinceros, outros não. Um homem se conhece por seus atos, não por suas palavras.)

Cansei de ouvir planos insustentáveis, planos egoístas, para o “desenvolvimento” de Tapuio, que geralmente envolve o desenvolvimento da conta bancária ou carreira política/social de indivíduos.

Cansei de ouvir sugestões de bem intencionados de entrar em contato com tal e tal e tal, cansei de dizer “Já tentei já tentei já tentei.”

Cansei de pedir ajuda, de ouvir promessas de ajuda, só para ver inação, para ouvir depois “Ah, esqueci!” (tradução: Ah, não me interessa).

Cansei de ouvir que devo entrar em contato com tal ONG ou outra. ONG por aqui se interessa em áreas onde tem amigos com terrenos grandes, amigos de influência política e social, onde podem capinar um pouco, plantar umas árvores, e declarar o ambiente SALVO enquanto fazem churrasco e admiram o visual em conforto. ONG por aqui é trampolim para lançar carreira política.

Uê. Sou ranzinza mesmo. E rancoroso!

Pois é. Em luz de uns eventos recentes, já comecei a pensar em ir embora. Amo Tapuio. O lugar salvou minha vida. Mas não aguento ver a sua destruição, eu quase impotente, só, caracterizado de ogro ranzinza por querer proteger uma área contra o egoísmo do ser humano.

É egoísmo que destrói.

E  não sou ranzinza, nem ogro, nem egoísta.

Ontem um amigo me falou que devo escrever algo. Me falou que há quem ouve, mesmo que pareça que não.

Geralmente, Tapuio é frio demais para manga. Abacate é mais comum, dá melhor. Era comum encontrar abacate roído por bichos. Manga, quando tem, some logo. Os bichos de Tapuio adoram.

Os últimos dois anos têm sido muito bons para ambos abacate e manga, fato que deveria traduzir em anos bons para os bichos. Inclui nisso uma redução em incidência de predação por caçador, e poderíamos esperar um retorno de bichos.

Mas a fruta apodrecia no chão. Eu achava que a diminuição de caçador em Tapuio se devia à minha campanha. Egoísmo meu! Caçador parou de subir por que não tinha mais o que caçar. Paca, tatu, gambá, não tinha mais nada.

Este ano, pela primeira vez em dois anos, vi senhas da presença de paca. Paca tem costume de juntar caroços para comer em um só lugar, e encontrei umas pilhas de caroço de manga do lado da minha casa. E tem manga caindo lá agora.

Pode ser o efeito de desmatamento, pois a incidência de desmatamento tem aumentado em Tapuio. Pasto agora predomina e os poucos bichos que restam não têm para onde ir.

De qualquer forma, era evidência da presença de fauna.

Trabalhadores que sobem lá não são cegos. Eles procuram essas senhas também. Depois passam essa informação para caçadores.

Um proprietário me contou que umas semanas atrás, ele teve que voltar lá de noite. Ele trabalha lá de dia, e tinha esquecido algo. Ao subir, viu um carro parado nas bananeiras perto da casa dele. Tinha 4 homens, com armas, do lado do carro.

Ele chegou perto, desconhecia os homens, mas viu pela placa que o carro era de Piúma. Eles viram-no e com armas na mão falaram para ele que vão caçar e se ele sabe o que é bom, vai ficar quietinho.

Ficou quieto.

Uma semana depois, numa sexta-fira, durante uma tempestade de vento, caiu a energia. Eu pensei que fosse uma coisa passageira, que a luz ia voltar, e fui dormir. Costumo dormir com janelas abertas e até com portas abertas.

Acordei com a casa cheia de luz. A energia não tinha voltado, mas a luz vinha de fora. Alguém estava diretamente em frente da minha casa com lanterna, jogando a luz para dentro da casa.

Lentamente levantei, mas ouviram e fugiram.

Óbvio que era caçador, pois não tenho vizinho. Ninguém sobe lá de noite só para passear. E caçador local sabe que estou lá, luz acesa ou não, e não ousa passar ao lado da minha casa. Era óbvio que eu estava em casa, pois as janelas estavam abertas, a porta aberta, roupa molhada pendurada para secar, e a moto ao lado da casa. Não sei quem foi, mas é óbvio que não estava andando em volta da minha casa à meia noite para ver se eu estava bem.

Sábado passado, por volta das 21 horas, eu estava sentado em frente da minha casa, ouvindo uma música, olhando na direção de Iconha em baixo. Era uma noite altamente escura. Com a luz acesa em frente da minha casa, nem dava para ver a estrada. De repente ouvi um tiro, muito perto da casa. Imediatamente eu entendi. Tem uma mangueira mais ou menos 100 metros para baixo da minha casa na beira da estrada. Peguei minha lanterna e fui investigar. Lá, encontrei sangue na estrada, uma trilha de sangue que descia mais um pouco e depois sumia. Saíram da estrada, talvez para me evitar. Pouco tempo depois, ouvi outro tiro muito mais em baixo, uns cachorros latindo, uns gritos. E logo silêncio.

Primeiras senhas da volta de vida a Tapuio, e alguém sobe para matar. Paca paga dívida, compra cordão de prata, compra mais um pouco de cerveja para festa.

Destruir a mata para encher as suas barrigas de carne e sangue é um ato egoísta, não importa o quão gostoso que é. Destruir para satisfazer seu desejo, causar dor e sofrimento de seres vivos para satisfazer desejo de sangue e carne, é egoísmo puro. Ser cúmplice nesses atos é covardia.

Por favor, não me chamem mais de radical, ogro, ranzinza sem reconhecer o seu egoísmo mais puro e cruel, sem reconhecer a destruição que acompanha a expressão do seu egoísmo.

Vocês querem mudar o Brasil? Ótimo! Vamos começar em casa.

Não existe salvação egoísta, pois todos morremos. Existe redenção, que encontramos no ato de salvar outro.

Eu preciso da sua ajuda. Vamos Salvar Tapuio!

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