Como foi o feriado?

“Como foi seu feriado?”

Para mim, essa pergunta sempre tem a mesma resposta:

Fiquei em Tapuio.

É a mesma resposta que dou para a pergunta: Como foi seu fim de semana?

Fiquei em Tapuio.

Interessante que minha resposta sempre recebe o mesmo comentário:

“Ahhhhhhhhh, aquele friozinho, a tranquilidade. Deve ser muito bom!”

Normalmente balanço a cabeça e falo meio sem convicção: É.

Deveria ser como vocês acham: tranquilo, confortável, um paraíso.

Às vezes é.

Muitas vezes não.

Vou contar para vocês como foi meu final de semana, meu feriadão de Páscoa.

Consegui chegar em casa de moto esta vez. Nem sempre consigo e ultimamente tem sido mais fácil deixar a moto uns 800 metros mais em baixo e continuar a pé, nada fácil quando carrega roupa e comida e tudo que vou precisar em casa. Você acha fácil? Meus amigos não me visitam nem de mãos vazias. Dizem que é difícil demais subir lá.

Logo chegando, fiz uma inspecção geral do exterior da casa para ver se há marcas de invasão: janelas quebradas, portas arrombadas, plantas pisadas ou (pior) furtadas, cocô esfregado nas paredes ou depositado em pontos estratégicos em volta da casa.

Esta vez tudo parecia bem, nada de surpresas desagradáveis, e entrei na segunda fase: a entrada em casa.

Abrindo a porta, a primeira coisa é ver se ainda tem energia. Cai direto em Tapuio e Escelsa vai lá só se alguém chamar. E às vezes nem se alguém chamar. Podemos ficar dias sem energia.

Ahhh, a luz ligou!

Agora checar se ainda tem água.

Não, não passou a prova. Nem uma gota.

Esse negócio de água é complicado. A água da minha casa vem de uma nascente uns 180 metros acima da casa e o cano passa em cima da terra, não enterrado. Por que não enterrado? Pedra e bananeira. Onde dá para enterrar, tem bananeira e o que uma raiz de bananeira pode fazer com um cano de água não é bonito. A raiz aperta, cortando o fluxo de água. Com o cano enterrado, não dá para ver qual das 80000 bananeiras é a responsável. E se deixar em cima da terra, cada idiota com faca e sede acha que é só cortar o cano e logo tem um bebedouro pessoal. Às vezes os idiotas tem vergonha e tentam emendar o cano depois, juntando os dois pontos. Nunca dá certo e meu cano de água já chupa mais ar do que água. Mais frequente, simplesmente deixam o cano no chão sem tentar emendar, a água vazando criando valas.

Cano aberto é abrigo para cobras e não posso contar as vezes que já tirei cobras do cano, bloqueando o fluxo de água. A cobra sempre morre.

Esta vez foi fácil encontrar o problema. Era só seguir a cachoeira descendo pela estrada. Onde o cano atravessa a estrada está enterrado. As chuvas e a deterioração da estrada deixaram o cano exposto e aparentemente algum veículo passando em cima furou o cano em dois lugares. Jatos imensos de água saíam do cano.

Ainda bem que tive em casa o material necessário para consertar os furos. Na verdade, mais cano não tenho, pois alguém decidiu uma vez que os 70 metros que eu tinha guardado lhes pertenciam. Mas na outra casa eu tinha guardado um tanto de cano pvc para outro projeto e consegui, depois de duas horas, consertar e enterrar o cano de novo. Na verdade, foi fácil. Era só trocar o cano que atravessa a estrada com o cano pvc. Alguém já tinha cortado o cano dos dois lados da estrada uns anos atrás então nem precisava desenterrar o cano furado. Só desconectar do cano furado e conectar no pvc. Ainda bem que sempre mantenho um estoque de adaptadores e conexões em casa, pois estou sempre consertando o cano de água.

Agora, sim, posso começar a descansar.

Voltei para casa, arrumei e guardei as coisas, e exausto já, deitei para descansar. Era 1 hora da tarde e ainda não tinha almoçado, mas não importa. Eu precisava era descansar um pouco.

Eu não sabia que tinha várias pessoas em cima. Estavam desmatando limpando a mata, expressão que se usa muito aqui, como se a mata fosse uma coisa suja. Como que fiquei sabendo da presença deles? Muito simples. Cada babaca que sobe para Tapuio acha necessário berrar. Os berros dos trabalhadores, dos motoqueiros, de turistas, dos fiéis que vão para rezar no Cruzeiro ecoam ressoando incessantemente pelas montanhas de Tapuio, espantando bicho e morador (eu). Foi assim que saí da minha humilde casa e vi a atividade de mata sumindo debaixo de motoserra e foice.

(Sei que neste momento o caro leitor está quase babando só de pensar naquela picanha suculenta que vai descer de Tapuio, enchendo seu prato seu olho sua barriga. Aqui, felicidade é carne no prato, árvore se dane! Árvore nunca encheu a barriga de ninguém, nunca fez ninguém babar só pelo cheiro. Árvore não dá para converter em cordão de prata, em iphone, em mais uma grade de cerveja na festa, em prestação da moto, em suma, em todas as marcas de o que passa por qualidade de vida nessas partes. Árvore? Derruba e bota boi. Boi gordo (e morto) dá felicidade!)

Com o por do sol, desceram, e enfim, eu estava só na montanha. Agora sim! Aquela tranquilidade e que todos falam. Já não tem os distúrbios dos caçadores com seus cachorros e seus tiros, pois já mataram tudo e não tem mais nada para caçar. Como emprestei a televisão para outro e meu notebook morreu, fiquei assistindo os poucos vaga-lumes que ainda ousam voar por Tapuio (pasto não gera muito vaga-lume), ouvindo os sapos. Uma noite tranquila, fresca, deu sono e dormi.

Sábado nasceu bonito e fresco ao som de pássaros cantando em furiosa alegria. Umas pessoas subiram para trabalhar, mas nada de som de motoserra, nada de gritos. Parecia que ia ser um dia tranquilo. Nem motoqueiro ousou destruir a tranquilidade do dia.

Mas a noite foi outra coisa. Uma explosão de barulho chegou até Tapuio, 9 quilómetros de Iconha e 400 metros no céu. Não consigo imaginar a força do som no seu epicentro. Minha casa tremia, balançava ao ritmo de uma música banal.

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