É hora de mudar

FullSizeRender 10

Blehhhh!! O que é isso?

Uns de vocês vão conseguir identificar a árvore por suas folhas e dirão que é um jambeiro que já viu dias melhores. De fato, parece estar morrendo.

Eu diria que não é um jambeiro, mas um canário. 

Um canário? Uê, como assim?

O canário é um pássaro muito sensível a mudanças na qualidade do meio ambiente. Por isso os mineiros sempre os levavam nas minas. Quando havia uma piora na qualidade do ar, os canários logo morriam, e assim avisavam os mineiros que era hora de sair da mina.

Jambo não é nativo. É da Ásia, de regiões húmidas e chuvosas. Não responde bem a uma redução na humidade ou na chuva. Como canário na mina, é uma das primeiras árvores a sofrer de mudanças ambientais.

Como consequência do desmatamento acelerado dos últimos três anos aqui em Tapuio, o vento vem com uma fúria medonha, secando árvores e terra. Tempestades de vento já se tornaram normais durante as noites e já não tem mata nem árvores altas para quebrar essa fúria de vento e proteger o lugar dos seus estragos.

Pior, antigamente o vento trazia humidade. Mas como os grandes produtores decidiram desmatar daqui até a fronteira, não tem humidade mais. O ar que vem é seco.

Logo nasce o sol, aquele sol intenso, queimando a terra onde não tem mata mais. Sabia que esta região tem a maior índice de radiação solar do mundo? Pois é. O sol daqui destrói. Sem a mata, a água (nascentes e córregos) seca e a terra assa, morre, se torna igual barro queimado. Quando enfim chove, a chuva não penetra a terra, mas passa por cima, arrastando tudo para baixo, para o mar. A pouca fertilidade que tinha vai com a chuva.

O produtor não vê problema nenhum em nada disso. Continua desmatando, continua criando pasto, plantando eucalipto, plantando café e banana sem sombra. Continua a sua destruição da terra (e, por consequência, a água também). Ele diz que seus avôs cultivavam assim e nada mal aconteceu, então nada mal vai acontecer agora.

Quanta ingenuidade!

Nos últimos dois verões, várias nascentes daqui de Tapuio têm falhado, secado. Ainda bem que a água voltou com a chuva, fato que só servia para fazer o povo esquecer o problema, achar que não há nada a temer.

Mas foi um aviso, como a morte do jambeiro é um aviso.

Se não adaptar novas práticas agrícolas, se não mudar para um modelo de agricultura e consumo ecologicamente sustentáveis, a região vai virar deserto.

FullSizeRender 8

E aí está o grande problema. Ninguém quer mudar seu comportamento. Fala muito, mas é fácil falar. É preciso agir, realmente mudar o modelo de produção e consumo.

O Brasil tem um velho legado de extrativismo. A ideia é de conseguir o máximo de retorno em cima de um mínimo de investimento, extraindo força e produto com um mínimo de atenção e despesa (investimento). Qualidade, por exigir um investimento maior, é desconsiderado a favor de quantidade. Na política, na terrível estratificação social, até no prato, vemos a evidência desse extrativismo colonial. E em manter esse modelo extrativista de produção e consumo, o Brasil continua sendo uma colônia de uma Europa que não existe mais.

Ao invés de adaptar um modelo de consumo nacional sustentável e ecologicamente adaptado às condições encontradas aqui no Brasil, o povo continua consumindo como colono europeu, situação que favorece a elite. Qualquer movimento que visa uma mudança cultural, por intenção ou como consequência, é estancado, com força se for necessário, pelas forças mais conservadores do país (a elite) que dependem da continuação do brasileiro como colono para poder manter controle, e assim, acesso à riqueza do país.

É o que estamos vendo neste momento na política.

Pior, depois de séculos desse sistema, desse colonialismo nacional, o povo acabou se adaptando, aceitando, procurando viver (dando jeito) dentro de um sistema que sempre trabalha a favor da manutenção da elite. Fica difícil enxergar comportamento que favorece a elite quando é o único comportamento que se conhece.

O sonho do pobre não é justiça, não é igualdade, não é uma sociedade mais justa. Ele pode até falar nisso, usar essas mesmas palavras, mas o sonho do desfavorecido é de ser parte da elite, de poder controlar, ter aquele acesso à riqueza brasileira.

Também estamos vendo isso neste momento na política.

É hora de enterrar o colono.

Uma ferida na pele brasileira
Uma ferida na pele brasileira

É hora de forjar uma identidade realmente nacional, uma cultura verdadeiramente brasileira, que funciona em harmonia com a natureza, que vê na natureza um aliado e não inimigo. É hora de acabar com o extrativismo colonial, que só destrói.

(Pára para pensar. Em 516 anos, o Brasil, que tem de tudo em termos de recursos naturais para ser um país altamente desenvolvido, ainda luta para atender às necessidades da sua grande população. Outros países têm conseguido se desenvolver sem se destruir, forjando identidades nativas, abandonando o colonialismo, o extrativismo, vendo aliado na natureza, produzindo e consumindo em acordo com a sustentabilidade da região: Chile, Uruguai, a Colômbia, e até que a guerra acabou com seu desenvolvimento, o Paraguai. O Equador e a Bolívia estão agora começando a envolver-se nesse processo. Nesses países, crime ambiental é visto como traição à identidade nacional. Interessante que aqui no Brasil, crime ambiental é visto popularmente como componente cultural, parte da identidade brasileira, e as leis ambientais são vistas como controles opressivos no povo. Colono odeia a mata, quer convertê-la em riqueza o mais rápido possível.)

O símbolo mais forte do consumo colonial é a carne bovina. Diferente dos Estados Unidos, não havia bovinos no Brasil antes da chegada dos Europeus. Sua presença no Brasil é altamente destrutiva. Sua produção destrói milhares de hectares de mata por ano, deixando o meio ambiente mais seco, esgotado de vida, a terra cada vez mais frágil e menos fértil. Nas Américas, o principal fator em mudança climática, em desertificação, na redução de biodiversidade, nas secas que assombram nossas cidades e atormentam o morador rural, é a criação de boi. A sua criação não é nem eticamente nem ecologicamente sustentável.

A sua criação gera riqueza somente para o grande produtor e o processador mas pode até deixar o pequeno produtor mais pobre. Em destruir o meio ambiente em busca de rápida riqueza através da sua produção, o produtor, em destruir o meio ambiente, destrói o futuro, empobrecendo as futuras gerações.

Não é minha intenção aqui de entrar no debate sobre a necessidade de carne na dieta. A carne não é necessária na dieta. Simplesmente não é. Se faz bem ou faz mal ao corpo não é o assunto aqui, não vem ao caso. Os grandes produtores conseguiram convencer o povo que é necessária por que é necessário para eles que o povo compre seu produto. Aqui nas Américas, grandes civilizações conseguiram se desenvolver sem carne bovina, e sem dietas sobrecarregadas em proteínas de fonte animal. Feijão e milho juntam para fornecer uma proteína completa. Amaranto, quinoa, moringa (árvore asiática bem adaptada ao Brasil), são todos fontes de proteínas completas. E tendo uma proteína completa, o corpo é indiferente à fonte de proteína.

E essa obsessão com proteína também não faz sentido. Seu corpo não precisa de kilos e kilos de proteína. Seu cérebro nem se alimenta de proteína. Um consumo excessivo de proteína pode causar problemas com os rins e com o coração e faz que a pessoa urine com mais frequência.

Em outras palavras, em comer carne bovina, estão ajudando na destruição da mata, ajudando nas causas de seca, ajudando enganar o pequeno produtor rural (e assim deixando o futuro dos seus filhos mais pobre), ajudando concentrar riqueza nas mãos dos grandes produtores (e assim ajudando a manter desigualdade social), contribuindo à mudança climática, só para mostrar afluência em consumir um produto ecologicamente custoso, portanto caro no mercado, que vai deixar você urinando mais e, por causar prisão de ventre, cagando com mais dificuldade.

Que nojo!

É hora de frear a destruição e o consumo da natureza. É hora de assumir uma identidade brasileira livre de colonialismo e sua visão limitada de extrativismo como caminho à riqueza. Não deu certo em 516 anos. Não vai dar certo.

É hora de enterrar o colono.

É hora de amar a natureza brasileira!

 

Leave a Reply