Quem mandou você ler isso?

Gosto muito da chuva. Como não moro à beira do rio, não me preocupo muito com a possibilidade de enchente. Eu sei, eu deveria, pois faço parte dessa comunidade e o que afeta um afeta todos, não é assim? Bom, acho que faço parte dessa comunidade, se bem que uns descordem com isso. 

.Me in Tapuio
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Vi uns comentários ontem, que o povo gosta de reclamar, mas afinal de contas, quem mandou a gente morar à beira do rio?!

Eu poderia dizer que essa briga não é minha. Eu não escolhi morar à beira do rio.

Eu só escolhi morar aqui neste município.

Pior, escolhi morar em Tapuio, onde nem estrada tem agora e nem vai ter até a próxima eleição. Já ouvi tantas vezes: Quem mandou você morar lá?!

(Agora quero esclarecer algo para todos os fofoqueiros: Não sou canibal, não sou ruim, não sou ranzinza, não sou frio, e NÃO SOU ESPIÃO DO GOVERNO AMERICANO! Também não sou imigrante ilegal. Tenho residência concedida pelo governo brasileiro. Porra!)

Foi erro parar aqui? Provavelmente. Mas aqui estou.

Ao longo dos anos (são 6 já!) fiz amizades. Poucas (reconheço que sou chato). Ao longo dos anos sofri insultos (exemplo: funcionário público me chamou de vagabundo e me mandou embora de Iconha), furtos, discriminação, racismo, vandalismo, desprezo e falta de consideração, ameaças, solidão.

A culpa é minha. Quem mandou eu morar aqui?!

Quem mandou eu morar aqui foi um iconhense.

Quando ladrão (ou ladrona) furtou minha máquina, a polícia me aconselhou rezar. A culpa é minha por não acreditar, pois Deus mandou o ladrão (ou ladrona) me castigar. Ele (ou ela) agiu em serviço de Deus. Não é?

Quando eu falava das possíveis oportunidades para melhorar essa cidade, o bom povo me cuspia a resposta “Não gosta daqui, vai embora!”

Vandalismo em minha casa e ameaças contra minha vida não são levados a sério. Sabe como é chegar em casa e encontrar tudo quebrado, fezes esfregadas nas paredes, ratos mortos jogados dentro da casa, e ameaças escritas atrás da casa? Não sabe? Eu gostaria de dizer que também não sei, mas infelizmente já se tornou comum em minha vida.

Ah, mas a culpa é minha. Quem mandou eu morar aqui nesse município?

Até a polícia, em tom de amizade, me aconselhou vender e ir embora.
Tom de amizade? Eu não estava procurando amigos na delegacia. Estava procurando proteção, que é a função deles. Ah, mas de novo a culpa é minha, pois aparentemente acho que aqui é os Estados Unidos, país civilizado (na verdade, meu país é pouco civilizado!). Aqui no Brasil as coisas são diferentes, e “nós não podemos colocar a delegacia ao lado da sua casa!”

Bom, é meu direito, como residente do Brasil, esperar proteção, país civilizado ou não. E este país não é um país do terceiro mundo. Não estamos em Bangladesh! E Iconha não é alguma povoação no meio da selva no fim do mundo onde não há nem lei nem comida!

É uma comunidade.

Somos vizinhos.

“Ah, mas é assim no mundo inteiro,” você reclama.

Primeiro, não é. O mundo é enorme e diverso e há comunidades melhores e piores. Vamos aprender das melhores.

Segundo, o fato da presença de ignorância nunca serve para desculpá-la.
Existe educação.

Entende.

Ajudar o outro, amar o outro independente da sua cor, sua posição social, suas origens, sua orientação sexual, sua religião; se é bem sucedido ou um fracasso total, se é evangélico ou católico ou ateu, se é pai responsável ou craqueiro na praça, é nosso dever como sócios nessa experiência de comunidade.

Importar-se com o bem estar do seu vizinho, importar-se em como suas próprias ações afetam o bem estar do seu vizinho, é transformar um conjunto de indivíduos em comunidade.

Usar a noção de comunidade como meio de diferenciar entre seus membros, usar a noção de comunidade como meio de avançar a sua carreira política ou social, usar comunidade para se promover, é, no mínimo, insincero, e no pior, desumano.

Concordo com quem diz que construir à beira do rio é tolice. Mas foi, e é, a responsabilidade da comunidade, manifestada em sua expressão política, a vigiar tais construções, interditar construções em áreas de risco, e uma vez permitindo, a proteger os moradores sem exceção.

É a responsabilidade da comunidade, como manifestada em sua expressão política, a ter um plano de desenvolvimento detalhado e a seguir esse plano, independente da administração ou partido atual.

É a responsabilidade do governo, seja municipal ou estadual ou federal, a proteger seus cidadãos e residentes, independente de cor, sexo, religião, estado civil, estado financeiro, etc.

E é a responsabilidade de cada cidadão e residente a ver que age de uma forma que contribui, que melhora a qualidade de vida para todos os residentes da comunidade, não só para si e seus familiares/amigos.
É o dever do cidadão a vigiar as instituições políticas e levantar a voz quando agem contra os interesses da comunidade que é de todos.

Todos têm culpa. A sua contribuição desculpa?

Salve Tapuio!

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