Uma Incoerência

Depois do tsunami de 2004, evento que resultou na morte de mais de 280.000 pessoas, sobreviventes na Índia foram na praia logo depois do evento e sacrificaram milhares de animais, também sobreviventes, numa tentativa de apaziguar os deuses.
Foi um perfeito exemplo de arrogância humana,
Acreditamos que nossos deuses são os verdadeiros, que nosso grupo tem razão, que nossas vidas são mais importantes que outras vidas. Acreditamos que a terra nos pertence. Justificamos essa convicção por direito divino: tudo foi nos dado para usufruir e aproveitar no sustento de vida humana, principalmente no sustento da vida humana do nosso grupo. Tudo é visto como recurso. Por arrogância humana, quando falamos da existência de problemas como desigualdade, injustiça, pobreza, falamos em termos do “mundo” quando na verdade existe só na sociedade humana.
Lamentamos essa desigualdade, essa injustiça, e felizmente sentamos numa mesa cheia de vidas mortas, completamente oblívios à hipocrisia, à discordância entre aquilo que falamos que desejamos e o que na verdade praticamos.
Festa, celebração, happy hour, para o ser humano se sentir feliz, algo precisa morrer.
Desprezamos como radicais e ignorantes aqueles que falam em criar um novo paradigma, um que prega respeito e inclusão, um que procura incluir o ser humano dentro da família maior de habitantes dessa terra. Falamos que queremos um novo paradigma, mas o rejeitamos como impraticável, principalmente por incomodar e por diminuir o lucro dos que mais beneficiam do sistema atual (e os que têm convencido).
Lamentamos a estrutura de poder quando não nos beneficia. Derrubamo-la para instalar uma igual que está ao nosso favor.
Lamentamos a estrutura de poder, gritamos em nome de igualdade, de justiça (como se existisse uma classe oprimida que realmente almejasse justiça e igualdade mais inclusivas), e ao conseguir poder, não mudamos nosso comportamento quanto ao meio ambiente, quanto aos outros habitantes dessa terra, e não mudamos nosso vocabulário. Celebramos a vitória com a morte de algum bicho, procuramos gerenciar os “recursos”, decidimos quem e que deve sofrer agora.
Choramos por Síria, gritamos por humanidade e mudanças enquanto degolamos e estripamos milhões e milhões de galinhas e porcos e bois, roemos seus ossos, felizes, e achamos que algo vai mudar.
Lamentamos a destruição na Síria e pouco ligamos pela destruição que derramamos sobre a terra e seus habitantes não humanos, e achamos que algo pode mudar.
O que adianta derrubar um poder em nome de justiça e igualdade se não consegue derrubar seu próprio egoísmo e sua vontade de destruir outras vidas em nome de prazer, em nome do paladar, em nome de conforto?
O que adianta execrar a destruição abominável na Síria e ignorar a destruição do Gran Chaco, do Amazonas, ou de Darien? As raízes são as mesmas. (Pode ler mais aqui) (Estudantes de Michel Foucault vão identificar essa incoerência.) 

Na Síria morrem seres humanos a benefício de outros. Nas outras áreas, ou nos frigoríficos, morrem animais a benefício de outros.
Tudo é fruto do egoísmo do ser humano, achando que tem direito total, direito divino, domínio sobre a terra e tudo que nela vive.
Não sou religioso, mas acho o livro Eclesiastes muito sensato. Sempre lembro do seguinte:
3:19 O destino do homem é o mesmo do animal; o mesmo destino os aguarda. Assim como morre um, também morre o outro. Todos têm o mesmo fôlego de vida; o homem não tem vantagem alguma sobre o animal. Nada faz sentido! 20 Todos vão para o mesmo lugar; vieram todos do pó, e ao pó todos retornarão.
                                                                                 

Salve Tapuio!

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